Pastel de Tentúgal
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O Pastel de Tentúgal é um doce conventual típico de Portugal, criado pelas freiras carmelitas do Carmelo de Tentúgal e confeccionado desde os finais do século XIX.[1][2]
Este doce foi um dos candidatos finalistas às 7 Maravilhas da Gastronomia portuguesa.[3]
Características gerais
A confecção dos pastéis é muito sensível e a sua qualidade sofre alterações, com as características das farinhas, ovos e atmosféricas, assim como da componente humana em que a arte da pasteleira tem influência primordial em toda a sua confecção.
A qualidade do Pastel de Tentúgal tem muito a ver com os “Saberes”, da sua confecção e de quem os aprecia, como todos os doces.
Há dois formatos tradicionais dos pastéis de Tentúgal: palito e meia-lua.[4] Sendo que o mais clássico é o de forma de meia-lua, pelo que o de forma de palito, hoje em dia mais popular, surgiu já durante o período de comercialização do pastel.[5] Historicamente, o pastel, além do doce de ovos também levava amêndoas, porém, quando começou a ser comercializado e se começou a dar preferência ao formato de palito, face ao formato de meia-lua, começou-se a deixar de usar as amêndoas.[5]
Confecção
Ingredientes
Os pastéis de Tentúgal levam tradicionalmente farinha e água, para confecção da massa[6], sendo que também levam manteiga para depois a pincelar e ajudar a fechar a massa do pastel, antes de ir ao forno.[7]
Quanto ao recheio, tradicionalmente consiste em ovos moles ou doce de ovos, pelo que se confecciona com água, açúcar e gemas de ovo.[6] Historicamente, o pastel, além do doce de ovos também levava amêndoas, porém, quando começou a ser comercializado e se começou a dar preferência ao formato de palito, face ao formato de meia-lua, começou-se a deixar de usar as amêndoas.[5]
Execução preeliminar
Preliminarmente, peneira-se a farinha repetidamente para dentro de um alguidar, onde se adiciona água morna.[6] Subsequentemente, amassa-se a farinha na água de maneira a obter uma massa bastante mole, a qual se vai trabalhando e batendo até ficar o mais maleável possível.[6] Tradicionalmente, amassava-se à mão, sem embargo, há receitas modernas que recomendam o recurso à batedeira, batendo-se a massa até que esta se despegue da cuba e não se cole às mãos.[7]
Em seguida, deixa-se repousar a massa durante cerca de um quarto de hora.[7] Volvido este tempo divide-se espalma-se a massa com o rolo da massa, até que fique muito fina e deixa-se a secar, sobre um lençol.[7] Mais tarde, depois de seca, corta-se a massa em 4 partes.[7] Tradicionalmente, as receitas recomendavam o corte da massa em quatro partes primeiro, antes de se estender a massa; presentemente, as receitas recomendam a inversão desta ordem de tarefas.[6]
Formato de palito
Caso se pretenda fazer pastéis com formato de palito, basta sobrepor quatro folhas rectângulares de massa, umas às outras. Na folha de cima deita-se uma colherada de doce de ovos, confeccionado com os ingredientes já supra elencados.[6]
De seguida enrolam-se as folhas de massa e dobram-se as pontas para cima, para fichar o rolo.[7] Depois pincela-se com manteiga derretida.[7]
Formato de meia-lua
Caso se pretenda fazer pastéis com formato de meia-lua, o passo seguinte envolve pôr um pires voltado para baixo em cima da mesa e cortar a massa, em volta, com uma faca bem afiada, a fim de se obter assim uma porção de 5 rodelas de massa.[6]
Em seguida, unem-se as rodelas de massa umas às outras, untando cada uma com manteiga derretida.[6] No centro da última rodela rodela põe-se uma colherada de ovos moles. Depois, humedece-se a borda das cinco rodelas de massa unidas por manteiga e dobram-se em forma de meia lua, carregando à volta com o cabo de uma colher de chá.[6]
Conclusão
Depois de afeiçoar os pastéis ao formato pretendido, depõem-se num tabuleiros untado com manteiga e vão ao forno a cozer, a uma temperatura de 220 °C.[7]
Assim que estiverem prontos, podem polvilhar-se com açúcar em pó ou canela.[7]
História
Os Pastéis de Tentúgal são doces originários do receituário de doçaria do Convento de Nossa Senhora do Carmo de Tentúgal.
Na doçaria portuguesa, encontra-se uma grande variedade de massas folhadas e recheios com doce de ovos nos diversos tipos de Palitos Folhados; os do Convento de Tentúgal seriam, porventura, dos mais elaborados, e no século XIX já era conhecida a sua receita.
Antecedentes
Desde 1565, que povo que vivia nos coutos e propriedades sob a alçada do Convento da Nossa Senhora da Natividade de Tentúgal, pagava o dízimo, entre outros tributos senhoriais, em géneros, mais concretamente em ovos. Isto por virtude da indigência geral da povo que, à míngua de outros meios de sustento, conseguia valer-se da criação de galinhas, por sinal de fácil e módica manutenção.[4]
As freiras do sobredito mosteiro serviam-se da albumina das claras dos ovos para clarificar o vinho[8] e para engomar o linho das suas vestes. Para aproveitar a sobreabundância de gemas de ovo, começaram a fazer-se doces. Daqui nasce a essência de larga parte da doçaria conventual portuguesa, que orbita em torno do doce de ovo.[9]
Séculos mais tarde, na pendência das Invasões Napoleónicas a Portugal, as tropas francesas invadiram Tentúgal a 1 de Outubro de 1810.[10] Consequentemente, as freiras do convento viram-se na contingência de ter de fugir, para salvar a vida, partindo para outras partes do país.[11]
Mais tarde, quando regressaram ao convento, descobriram-no saqueado e destruído.[4] Para recrudescer este quadro negro, no rescaldo da Guerra Civil Portuguesa, todas as ordens religiosas nacionais foram expropriadas, em 1833 decretou-se a proibição dos noviciados e em 1834, a derradeira machadada, aboliram-se os conventos.[12] Ainda assim, os conventos e as freiras que neles habitavam, durante este período conturbado, ainda beneficiaram de um período de moratória, que manteve os mosteiros abertos, embora sem poder receber novas noviças, enquanto a última das freiras incumbentes ainda fosse viva.[12] Por conseguinte, as freiras do convento de Tentúgal, privadas das fontes de rendimento de que a sua ordem beneficiara durante séculos, viram-se obrigadas a ter de passar a prover ao seu próprio sustento.[4][12]
Foi nesta conjuntura que as freiras começaram a fazer pastéis de Tentúgal, em larga escala, para venda.[4][12]
Comercialização dos pastéis
Com efeito, os pastéis foram-se tornando populares e a sua confecção volveu-se numa forma economicamente sustentável do Mosteiro se irem governando.[5] A procura foi crescendo de tal ordem que, por torno dos anos 80 e 90 do séc. XIX, as freiras começaram a contratar mulheres da localidade, para as ajudarem na confecção.[5]
O convento viria a encerrar em 1898, mas a receita dos pastéis não se perdeu, preservando-se nas famílias das trabalhadoras que tinham ido trabalhar para o mosteiro.[5]
Dona Maria dos Prazeres, uma dessas mulheres que ajudara as freiras na confecção dos pastéis, até ao encerramento do convento, ensinou a receita e a técnica às irmãs, Ana Faria Delgado e Branca Faria Delgado, que passaram a comercializar o doce na hospedaria da família.[5] Por conseguinte, a Hospedaria dos Farias, única no caminho de charrete de Coimbra à Figueira da Foz, passa a deter o monopólio do fabrico dos pastéis.[5]
Mais tarde, às mãos de Dona Maria da Conceição Faria (1851–1940), cunhada de D.ª Maria dos Prazeres, dá-se um novo impulso à popularidade do pastel.[5] Aproveitando a sua posição de professora primária ensinou às alunas a receita e a técnica do pastel de Tentúgal, disseminando-se ainda mais a receita pelas mulheres da região.[5]
O seu aspecto e gosto refinado, a qualidade e a divulgação dos Palitos Folhados da Dona Conceição Faria, levaram à alteração da sua designação logo nos primeiros tempos, associando ao “Pastel”, o nome da Vila, criando e popularizando assim a designação Pastel de Tentúgal.
No século XX a Hospedaria mantém as suas características e após a implantação da República em 1910, Portugal conhece um grande desenvolvimento com a construção de estradas e o aparecimento dos primeiros automóveis. A partir do início dos anos 20, é a sua filha, Dona Branca Faria Delgado (1894–1982) que dá grande incremento e divulgação aos Pasteis de Tentúgal e manteve a casa até ao início dos anos 80.[5] Para o seu prestígio contribuíram as frequentes visitas da classe abastada e de professores e estudantes da Universidade de Coimbra, que vinham a Tentúgal apreciar e encomendar os pastéis da Dona Branca Delgado que posteriormente divulgavam por todo o país.
As apreciadas características do Pastel de Tentúgal encontram-se no folhado fino e estaladiço, único na doçaria portuguesa e no recheio de ovos. Inicialmente na sua confecção estava presente a amêndoa ralada que lhe requintava o gosto, devido à sua escassez esta veio a ser abandonada. Por encomenda e menos divulgada a forma Meia-Lua, era o pastel das bodas.
A confecção manteve-se exclusivamente na família da Dona Conceição Faria até meados dos anos 50, altura em que apareceu um novo confeiteiro a comercializar, originando assim um novo ciclo do Pastel de Tentúgal.[5]
Os familiares da Dona Branca Delgado não lhe deram continuidade.[5] Hoje, o pastel mantêm basicamente as mesmas características, a industrialização do seu fabrico tornou-se na principal empregadora e geradora de riqueza da antiga Vila.
Legislação
Os pastéis de Tentúgal são uma receita da doçaria tradicional portuguesa, reconhecida pela legislação europeia, contemplado no Regulamento de Execução (UE) 850/2013 da Comissão de 23 de agosto de 2013 – JO L 235/1 de 4 de Setembro de 2013.[13]
No que toca à legislação nacional, o sobredito diploma europeu foi transposto para legislação nacional sob a forma do Aviso n.º 13041/2021, de 12 de Julho de 2021.[14]
Ver também
Referências
- ↑ «O Segredo do Pastel de Tentúgal». amasscook.com
- ↑ «Pastel de Tentúgal IGP». tradicional.dgadr.gov.pt. Produtos Tradicionais Portugueses
- ↑ «70 Pré-Finalistas». Maravilhas da Gastronomia. Consultado em 10 de Setembro de 2011. Arquivado do original em 19 de novembro de 2011
- ↑ a b c d e «Produtos Tradicionais Portugueses - Pastel de Tentúgal IGP». webcache.googleusercontent.com. Consultado em 14 de fevereiro de 2022
- ↑ a b c d e f g h i j k l m Pinheiro, Joaquim; Soares, Carmen (2016). Patrimónios Alimentares de Aquém e Além-Mar. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra / Coimbra University Press. p. 123. ISBN 978-989-26-1190-7. doi:10.14195/978-989-26-1191-4
- ↑ a b c d e f g h i Rosa-Limpo, Berta (1952). O livro de Pantagruel: cozinha, doçaria, bebidas. Lisboa: Temas e Debates. p. 742. 1192 páginas. ISBN 9789896441272
- ↑ a b c d e f g h i Araújo, António (2012). Manual Técnico de pastelaria. Lisboa: Turismo de Portugal, I.P. p. 167. 258 páginas. ISBN 978-989-96301-5-4
- ↑ «Clarificantes de Vinho». Agrovin. Consultado em 14 de fevereiro de 2022
- ↑ www.aptentugal.com.sapo.pt (Memento vom 14. junho 2013 im Internet Archive) (unter A Associação, A Doaria und O Convento), abgerufen am 12. November 2012
- ↑ «″Nunca mais a população portuguesa voltou a sofrer tanto como na terceira invasão francesa″». www.dn.pt. Consultado em 14 de fevereiro de 2022
- ↑ www.tvi24.iol.pt, abgerufen am 13. November 2012
- ↑ a b c d Pinheiro, Joaquim; Soares, Carmen (2016). Patrimónios Alimentares de Aquém e Além-Mar. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra / Coimbra University Press. p. 122. ISBN 978-989-26-1190-7. doi:10.14195/978-989-26-1191-4
- ↑ «Regulamento de Execução (UE) n.o 850/2013 da Comissão, de 23 de agosto de 2013, relativo à inscrição de uma denominação». webcache.googleusercontent.com. Consultado em 14 de fevereiro de 2022
- ↑ Rural, Agricultura-Direção-Geral De Agricultura E. Desenvolvimento (12 de julho de 2021). «Aviso 13041/2021, de 12 de Julho». Diários da República. Consultado em 14 de fevereiro de 2022