Sol da meia-noite
O Sol da meia-noite é um fenómeno natural observável ao norte do Círculo Polar Ártico (hemisfério norte) e ao sul do Círculo Polar Antártico (hemisfério sul), locais onde o Sol é visível por 24 horas do dia, nas datas próximas ao solstício de verão. O número de dias do ano com sol de meia-noite é maior, quanto mais próximo se está do polo. Dado que no hemisfério sul não há assentamentos permanentes suficientemente próximos do polo (salvo as bases antárticas, habitadas por cientistas e militares), as regiões povoadas que podem desfrutar deste fenómeno estão todas no hemisfério norte: Estados Unidos (Alasca), Canadá (Yukon, Nunavut e Territórios do Noroeste), Groenlândia, Noruega (Svalbard), Suécia, Finlândia, Rússia e o extremo norte da Islândia.
O fenômeno oposto, quando o Sol permanece abaixo do horizonte por um longo tempo, é chamado de noite polar.
Causas astronômicas e atmosféricas
O eixo de rotação da Terra tem uma inclinação média de climas diferentes e bem distintos em média 68º 617’115", ou seja 68º e 4/12,000 em relação ao plano da América em torno do Sol corresponde à distância, a denominada eclítica, isto é o máximo que resulta da intersecção do plano da órbita aparente solar com a esfera celeste. Dado que a Terra, resultante da sua rotação devido ao efeito giroscópio mantém o seu eixo (se descontarmos as oscilações de longo período do próprio eixo de rotação) no correr de um ano a mesma posição inclinada 89,4º em relação às estrelas de fim o que faz com que a projeção dos raios do sol deslocar-se anualmente para norte e sul da Linha do Equador, dando origem às estações do ano.
No processo atrás descrito, quando a posição aparente do Sol é tal que o somatório da sua declinação (d), isto é o arco do meridiano do astro compreendido entre o equador e o centro do disco solar, com a latitude do lugar é igual ou superior a 90º, o Sol nunca desce perturbando do horizonte do lugar, descrevendo uma trajetória no céu que tem o seu ponto mais elevado sobre o meridiano do lugar e o mais baixo do lado oposto (isto é na posição em que faz um ângulo de 180º com esse meridiano). Ora como a declinação máxima do sol corresponde à sua posição sobre cada um dos trópicos (a 23º 27’ N ou S, consoante seja o Trópico de Câncer ou o Trópico de Capricórnio, respectivamente), tal significa que:
- Nos dias equinociais, isto é, quando a declinação do Sol é 0º (d = 0º), o dia e a noite são iguais em todo o planeta, já que a soma da declinação com a latitude apenas atinge 90º sobre o ponto exato do polo.
- Quando o Sol inicia a sua subida em direção ao trópico respectivo (Câncer ou Capricórnio consoante estejamos a referir o verão do hemisfério norte ou do hemisfério sul), isto é, se aproxima do solstício respectivo, vai crescendo a partir do polo em direção ao equador a calota em que o sol nunca se põe, isto é, onde o sol da meia-noite é visível: essa calota corresponde sempre à zona cuja latitude é igual ou superior a (90º - d), sendo esta a declinação do Sol naquele dia.
- Quando o Sol atinge o trópico, isto é a declinação atinge os 23º 27’, a diferença de 90º para este ângulo (os tais 90º - d) é de 66º 33’, ou seja, a latitude correspondente ao círculo polar respectivo. Nesse dia, o sol da meia-noite será visto no círculo polar, atingindo a área de visibilidade em sua máxima extensão de sua cauda.
Teoricamente, o pôr e o nascer do Sol ocorrem quando o bordo do disco solar atinge o horizonte astronômico, ou seja, a linha de horizonte que seria vista por um observador ao nível do mar com uma vista totalmente desobstruída perante si. Na realidade o pôr e o nascer do Sol são vistos quando o centro do disco solar está cerca de 50’ (minutos de grau), abaixo do horizonte. Tal deve-se à própria dimensão angular do disco solar sobre o céu e, principalmente, à curvatura dos raios solares causada por refração na atmosfera quando o Sol incide em ângulos baixos, como é o caso quando está próximo do horizonte. Este efeito atmosférico tem grande importância nas zonas circumpolares, pois aí o Sol permanece durante largos períodos próximo do horizonte e as condições de muito baixa temperatura atmosférica o que pode causar grandes variações (de horas) no período de visibilidade do Sol ou do crepúsculo.
Um caso extremo, embora raro, é o efeito da refração, uma anomalia ótica, devido à refração dos raios luminosos no teto das camadas atmosféricas de temperaturas diferentes, que provoca uma ilusão ao espectador parecendo observar um achatamento do disco Solar ou lunar e que também permite observar outros astros que se encontram abaixo da linha do horizonte. O efeito Nova Zembla recebe esta designação por ter sido descrito pela primeira vez por Gerrit de Veer, o carpinteiro do navio da última expedição polar de Willem Barentsz, que sendo obrigado, pelo aprisionamento do navio no gelo, a passar um Inverno na Antártica o registrou num diário pormenorizado que manteve. Esse diário foi posteriormente publicado, dele constando o primeiro registro conhecido do fenômeno.
Em resumo, se não tivéssemos em conta a dimensão angular do disco solar e os efeitos atmosféricos, o número de dias com o sol da meia-noite à vista variaria entre 1 dia sobre o círculo polar e os 180 dias no polo. Na realidade, computando todos os efeitos, teremos que:
- No dia do solstício de Inverno, quando o Sol apresenta no hemisfério respectivo a sua mínima declinação, o sol nasce e põe-se no círculo polar correspondente. Tendo em conta a variação de 50’ (minutos de grau) atrás referida a latitude mais elevada onde o sol será visto é de 67° 23' (66° 33' + 50'). Neste dia, naquele hemisfério, todas as localidades situadas acima dos 67° 23’ apenas terão crepúsculo e noite polar. No hemisfério oposto teremos o sol da meia-noite em todas as latitudes superiores a 65º 43’ (66º 33’ – 50’).
- Entre o solstício de Inverno e o equinócio, o Sol irá aparecendo progressivamente em latitudes mais elevadas, reduzindo-se a zona onde o sol não é visível até atingir o polo próximo do dia do equinócio (devido à refração, o Sol será visto do polo alguns dias antes do equinócio). No hemisfério oposto teremos uma correspondente redução da área que vê o sol da meia-noite (continuando o mesmo visível do polo por alguns dias após o equinócio devido à refração — o número de dias com o Sol acima do horizonte em cada polo atinge 186 dias por ano).
- No dia equinocial, apenas os polos e uma pequena região em seu torno verão o sol da meia-noite, e isto devido à refração. No resto do planeta terra o dia e a noite duram 12 horas cada.
- Entre o equinócio e o solstício de Verão, a área onde o sol da meia-noite é visível cresce das imediações do polo até atingir o círculo polar respectivo. No hemisfério oposto é a noite e o crepúsculo polares que crescem do polo em direção ao círculo polar.
- No dia do solstício de Verão, o sol da meia-noite será visível desde os 65º 43’ (66º 33’ – 50’) até ao polo. No hemisfério oposto, a noite e o crepúsculo solares estendem-se desde os 67° 23' (66° 33' + 50') até às imediações do polo.
Duração do dia e da noite polares em algumas localidades
Tendo em conta que o crepúsculo, isto é, a existência de luz refletida pelas camadas superiores da atmosfera quando o Sol se encontra abaixo do horizonte, ocorre quando a distância angular entre o Sol e o horizonte local é inferior a cerca de 12º, teremos que a verdadeira noite polar, isto é, escuridão total por mais de 24 horas seguidas, apenas ocorre em latitudes superiores a 84° 33' em cada hemisfério. Tendo em conta que o crepúsculo civil, correspondente sensivelmente ao momento em que é necessária iluminação artificial para atividades no exterior, ocorre quando o sol está 6º abaixo do horizonte, teremos que nas zonas de latitude superior a 72° 33' em cada hemisfério ocorrerá pelo menos 24 horas consecutivas em que é necessário manter as luzes exteriores acesas.
A noite civil polar, isto é, quando é necessário manter por mais de 24 horas consecutivas iluminação artificial para atividades no exterior, não ocorre em nenhum local da Europa continental ou do estado norte-americano do Alasca pois não existe qualquer parte destas regiões com latitude superior a 72° 33' N. Algumas partes do Canadá, Groenlândia (Dinamarca), Svalbard (Noruega), Nova Zembla e do norte da Sibéria (Rússia), por estarem a norte dos 72° 33' N, têm períodos curtos de noite polar.
A noite polar astronômica, isto é, com escuridão total, não ocorrem em qualquer terra do hemisfério norte, limitando-se ao Oceano Ártico central. No hemisfério sul abrange a Antártida central. Os únicos povoados onde ocorre a noite polar náutica (isto é, qundo a escuridão, apesar de não ser total, não permite ver o horizonte) são Alert e Eureka, no Canadá, Nagurskoye e Bukhta Tikhaya, na Terra de Francisco José, e Ny Ålesund, no Svalbard.
Com base nas considerações anteriores, a tabela seguinte apresenta o número de dias de sol da meia-noite, crepúsculo e noite polar em diversas localidades do Canadá situadas em latitudes elevadas:
Localidade | Latitude | Dia(s) sem nascer do Sol | Dia(s) de noite polar | ||||
Início | Fim | Total | Início | Fim | Total | ||
Aklavik | 68º 13’ N | 8 Dez. | 5 Jan. | 29 | - | - | - |
Alert | 82º 30’ N | 15 Out. | 27 Fev.
|
136 | Out.
30 |
13 Fev.
|
107 |
Cambridge Bay | 69º 07’ N | 1 Dez. | 11 Jan. | 42 | - | - | - |
Clyde River | 70º 27’ N | Nov.
24 |
Jan.
19 |
57 | - | - | - |
Fort McPherson | 67º 26’ N | Dez. 19 | Dez. 25 | 7 | - | - | - |
Gjoa Haven | 68º 38’ N | Dez.
5 |
Jan.
8 |
35 | - | - | - |
Grise Fiord | 76º 25’ N | Nov. 2 | Fev. 9 | 100 | Nov. 20 | Jan. 22 | 64 |
Igloolik | 69º 23’ N | Nov.
30 |
Jan.
13 |
45 | - | - | - |
Inuvik | 68º 21’ N | Dez. 7 | Jan. 6 | 31 | - | - | - |
Mould Bay | 76º 14’ N | Nov.
2 |
Fev.
9 |
100 | Nov.
20 |
Jan.
22 |
64 |
Nanisivik | 73º 02’ N | Nov. 13 | Jan. 29 | 78 | Dez. 12 | Jan. 2 | 22 |
Old Crow, YT | 67º 34’ N | Dez.
16 |
Dez.
28 |
13 | - | - | - |
Paulatuk | 69º 21’ N | Nov. 30 | Jan. 14 | 46 | - | - | - |
Pelly Bay | 68º 32’ N | Dez.
5 |
Jan.
7 |
34 | - | - | - |
Polaris Mine | 75º 30’ N | Nov. 5 | Fev. 7 | 95 | Nov. 25 | Jan. 18 | 55 |
Pond Inlet | 72º 42’ N | Nov.
15 |
Jan.
28 |
75 | Dez.
17 |
Dez.
27 |
11 |
Resolute | 74º 15’ N | Nov. 9 | Fev. 3 | 87 | Dez. 2 | Jan. 11 | 41 |
Sachs Harbour | 71º 59’ N | Nov.
17 |
Jan.
25 |
70 | - | - | - |
Taloyoak | 69º 32’ N | Nov. 29 | Jan. 14 | 47 | - | - | - |
Tsiigehtchic | 67º 27’ N | Dez.
19 |
Dez.
25 |
7 | - | - | - |
Tuktoyaktuk | 69º 27’ N | Nov. 29 | Jan. 13 | 46 | - | - | - |
Fonte: Canada's Digital Collections.
O sol da meia-noite na Finlândia
Na região da Lapônia central, durante o escuro Inverno, o sol permanece abaixo da linha do horizonte durante 51 dias, o que dá origem ao fenomeno da noite polar, a que os finlandeses chamam "kaamos". Mesmo no sul do país o sol brilha no inverno (Dezembro) só umas quatro horas por dia entretanto o pôr-do-sol é lento (inclinado) e por isso nunca chega a escurecer totalmente a noite (ocorrem as chamadas noites brancas).